Transcrevo
texto de Rosana da Câmara Teixeira, publico no blog do Raul Rock Clube.
Muito interessante.
Há
40 anos, no dia 07 de junho de 1973, Raul caminhou pelas ruas do centro do Rio de
Janeiro com seu violão, cantando Ouro de tolo, reunindo muitos transeuntes
naquela estranha passeata. Tal como a Mosca da canção, “zumbizava”, provocando,
com os versos que afirmavam “Eu devia estar sorrindo e orgulhoso/Por ter
finalmente vencido na vida/Mas eu acho isso uma grande piada/E um tanto quanto
perigosa”. Denominada por alguns de “hino”, e de “canção-lamento” por outros, a
despeito da
letra
quilométrica, alcançou rapidamente as paradas de sucesso e vendeu cerca de 60
mil cópias em poucos dias. Questionando a apatia, o conformismo e o consumo
desenfreado da classe média brasileira, Ouro de Tolo é definida como “estranha
canção que critica o abestalhamento de uma sociedade preocupada apenas com
apartamentos, carros, dinheiro, emprego e sucesso” (Fatos e Fotos, 18/06/1973).
Lançada
primeiro em compacto simples pela Philips, Ouro de Tolo integrou o disco Krig-há
bandolo! Cuidado aí vem o inimigo, referência ao grito que os macacos ensinaram
ao personagem Tarzã. Lançado em julho de 1973, apresenta na capa, um Raul
magro, cabeludo, sem camisa, com os braços abertos, olhos semicerrados,
trazendo na palma da mão direita o desenho de uma chave, símbolo da Sociedade
Alternativa, da qual ele e Paulo Coelho se diziam porta-vozes.
De
certo modo, o disco, revela-se uma boa metáfora do que Raul pretendia quando se
lançou, fazer a diferença, chamar a atenção do público e da mídia com histórias
de disco voador, procissão no centro da cidade, discursos messiânicos, a pose
de guru, o representante de uma sociedade secreta – estratégias questionadas na
época. Combinando ritmos, criando metáforas, Krig-há simboliza sua projeção
como intérprete, garantindo o reconhecimento por parte da crítica especializada
e do público crescente de admiradores.
Utilizando
a ironia como estratégia discursiva, Raul apresentava-se como um estranho,
alguém fora da lógica esquerda-direita, um cara esquisito, excêntrico,
misterioso, as várias máscaras que o “inimigo” encarnou em pleno regime
militar, para questionar a acomodação, a opressão, incitando os indivíduos,
através de suas canções e declarações, a não se contentarem com as promessas de
felicidade acenadas pela sociedade de consumo.
Cafona,
brega, popular, precursor do forrock, obra rockeira, existencial, filosófica, eclética
muitos são os nomes com os quais se tenta, ainda hoje, caracterizar sua
produção musical. Raul Seixas afirmou-se, sobretudo como um artista popular,
uma espécie de “anjo caído”, “torto” e “travesso”, (Revista Manchete,
02/09/89), “maldito” (Isto é, 18/07/84), “embriagado” (Isto é, 08/03/87) que
rompeu os limites entre arte e vida, vividos como faces de uma mesma e única
experiência.
Decorridos
tantos anos da sua morte, seu carisma, parece estar sempre se metamorfoseando e
se alimentando das múltiplas leituras a seu respeito, permanecendo vivo no
imaginário de admiradores, seguidores e divulgadores. Como mosca na sopa,
maluco beleza, metamorfose ambulante ou cowboy fora da lei, Raul Seixas
continua a provocar. Ouro de Tolo, 40 anos depois, teima em nos perturbar. Os
inúmeros fãs espalhados por todo o país têm como desafio provar que a canção
não está perdida.
Rosana
da Câmara Teixeira (Antropóloga, profa. da UFF, autora do livro Krig-há
bandolo! Cuidado aí vem Raul Seixas).
(rosanadacamara@oi.com.br)
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