De acordo com Flusser (2007) as informações que
invadem nosso mundo e suplantam as coisas são de um tipo que nunca existiu:
informações imateriais. As imagens eletrônicas na tela de televisão, os dados
armazenados no computador, os rolos de filmes, os programas são tão impalpáveis
(softwares) que qualquer tentativa de agarra-los com as mãos fracassa. Essas
não coisas são, no sentido preciso da palavra, “inapreensíveis”. São apenas
decodificáveis. É bem verdade que, como antigas informações, parecem também
estar inscritas nas coisas: em tubos de raios catódicos, em microchips. Ainda
que isso possa ser admitido, trata-se de fato uma ilusão existencial. A base
material desse novo tipo de informação é desprezível do ponto de vista
existencial. Uma prova disso é o fato de que o hardware está se tornando cada
vez mais barato, ao passo que o software, mais caro.
Flusser (2007) explica que a arquitetura
industrial mudará completamente em função dos aparelhos eletrônicos. Não
somente pelo fato de que os aparelhos sejam mais adaptáveis ao uso, e por isso,
radicalmente menores e mais baratos que as máquinas, mas também por não ser uma
constante em relação ao homem. Fica cada dia mais evidente que a relação
homem-aparelho eletrônico é reversível, e que ambos só podem funcionar
conjuntamente: o homem em função do aparelho e o aparelho em função do homem.
Pois, o aparelho só faz aquilo que o homem quiser, mas o homem só pode fazer
querer aquilo que o aparelho é capaz. De acordo com ele está surgindo um novo
método de fabricação, esse novo homem, o funcionário, está unido aos aparelhos
por meio de milhares de fios, alguns deles invisíveis; aonde quer ver vá, ou
onde quer que esteja leva consigo os aparelhos, e tudo o que faz ou sofre pode
ser interpretado com uma função de um aparelho.
De acordo com Levy (2011) durante muito tempo, os
informatas consideraram-se especialistas em máquinas. Apesar da extraordinária
penetração dos computadores pessoais e da progressiva transformação da
informática em mídia universal, grande número de informatas ainda mantém esta
concepção. Da mesma forma que Douglas Engelbart, gostaríamos de opor a imagem
de um criador envolvido com os equipamentos coletivos da inteligência com
aquela do especialista em computadores. É preciso deslocar a ênfase do objeto
(o computador, o programa, este ou aquele módulo técnico) para o projeto (o
ambiente cognitivo, a rede de relações humanas que ser quer instituir).
Para Levy (2011) vale a pena repetir que a maior
parte dos programas atuais desempenha um papel de tecnologia intelectual: eles
reorganizaram, de uma forma ou de outra, a visão de mundo de seus usuários e
modificam seus reflexos mentais. As redes informáticas modificam os circuitos
de comunicação e de decisão nas organizações. Na medida em que a informatização
avança, certas funções são eliminadas, novas habilidades aparecem, a ecologia
cognitiva se transforma. O que equivale a dizer que engenheiros do conhecimento
e promotores da evolução sociotécnica das organizações serão tão necessários
quanto especialistas em máquinas.
Porém, Levy (2011) afirma que não é por isso que
a vertente humana e a vertente objetiva da informática deveriam ser entregues a
duas profissões diferentes: é no próprio cerne da concepção de um programa ou
de um circuito que são decididas as conexões possíveis, o leque de uso –
negociável em maior ou menor grau – o prazer ou a dificuldade de se trabalhar
com um computador. Cada grande inovação em informática abriu a possibilidade de
novas relações entre homens e computadores: códigos de programação cada vez
mais intuitivos, comunicação em tempo real, redes, micros, novos princípios de
interfaces. É porque dizem respeito aos humanos que estas viradas da história
dos artefatos informáticos nos importam.
Levy (2011) explica que o sucesso de alguns
programas de microcomputadores deveu-se a certas instituições muito profundas
sobre como deveria ser a interface com o usuário. Na falta de uma ideia genial,
a equipe de desenvolvimento pode concentrar sua atenção no conforto do usuário,
em seus hábitos, em suas necessidades, sobre as críticas feitas às versões
precedentes. O conhecimento das entranhas de uma máquina ou de um sistema
operacional será então usado como o objetivo de tornar o produto final
amigável. O virtuosismo técnico só produz seu efeito completo quando consegue
deslocar os eixos e os pontos de contato das relações entre homens e máquinas,
reorganizando assim, indiretamente, a ecologia cognitiva como um todo. Separar
o conhecimento das máquinas da competência cognitiva e social é o mesmo que
fabricar o informata puro, ou seja, um especialista “puro” em ciências humanas,
que se tentará associar em seguida; mas será tarde demais, pois os danos já
terão sido feitos.
Para Levy (2011) aqueles que lançaram a
informática, não são, de forma alguma, “técnicos puros”. Deveríamos, antes,
considerar os grandes participantes da “revolução da informática” como homens
políticos de um tipo um pouco especial. O que os distingue é o fato de
trabalharem na escala molecular das interfaces, lá onde se organizam as
passagens entre os reinos, lá onde o micro fluxos é desviado, acelerados,
transformados, as representações traduzidas, lá onde os elementos constituintes
dos homens e das coisas se enlaçam.
Levy (2011) afirma que contrariamente ao que
geralmente pensamos, os agenciadores de inovações técnicas não estão
interessados apenas nas engrenagens complicadas das coisas. São antes de tudo
movidos pela visão de novos agenciamentos na coletividade mista formada pelos
homens, seus artefatos e as diversas potências cósmicas que os afetam. Os
engenheiros, agenciadores e visionários que ligam seu destino à determinada
técnica são movidos por verdadeiros projetos políticos, contanto que se admita
que a cidade contemporânea seja povoada por máquinas, por microrganismos, por
forças naturais, por equipamentos de silício e de cimento tanto quanto por
humanos.
REFERÊNCIAS
FLUSSER,
Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação.
São Paulo: Cosac Naify, 2007.
LEVY, Pierre. As Tecnologias da
Inteligência: O futuro do pensamento na era da informática. Tradução de Carlos Irineu Costa, Rio
de Janeiro: Editora 34 ,
2ª. Edição 2011. O original é de 1993 (Les Technologies de l´intelligence).
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