Rose (1988)
começa a introdução do seu texto citando Foucault conforme descrito abaixo:
O
nascimento da noção de "autor" constitui o momento privilegiado de
individualização na história das ideias, conhecimento, literatura, filosofia e
das ciências. Até hoje quando reconstruímos a história de um conceito, gênero
literário, ou escola de filosofia, essas categorias parecem relativamente
fracas, secundárias em comparação com a unidade sólida e fundamental do autor e
a obra. Foucault (2001, apud Rose,
1988, p. 51).
De acordo com Rose (1988) Donaldson v.
Becket foi o grande caso em matéria de propriedade literária. Alexander
Donaldson, um livreiro escocês que tinha construído um negócio bem sucedido com
reimpressões baratas dos clássicos, foi acusado de pirataria, quando publicou
uma edição de James Thomson, “The Seasons”, trabalho para o qual,
Thomas Becket e um grupo de outros livreiros e impressores de Londres afirmou
ter o direito de impressão.
A
questão foi, se a propriedade literária era um direito legal, uma licença
limitada, criação do Estado, ou um direito comum e, portanto, absoluto e
perpétuo.
Outra
questão era se o Estatuto de Anne
(1709), lei na qual o prazo do direito do autor foi determinado para
toda a extensão da proteção, era realmente válido ou se o estatuto era meramente
complementar ao direito comum.
Becket
e os envolvidos afirmava a teoria de um direito fundamental de direito comum e
o princípio do copyright perpétuo.
Do
outro lado, Donaldson afirmava que de acordo com o Estatuto de Anne, após vinte
e oito anos, prazo máximo de copyright, o trabalho tinha expirado estava
livremente disponível.
Outro
ponto importante, citado por Rose (1988) foi que o caso Donaldson v. Becket levantou o
interesse geral da população. A Câmara dos Lordes votou a favor de Donaldson e
o princípio de que o copyright deve ser limitado no tempo. Ao longo do
processo, o interesse público foi intenso. Os jornais de Londres dedicaram
várias colunas para o processo, relatando em grandes detalhes os argumentos dos
advogados e juízes.
O
interesse geral levou inclusive até a uma piada bastante débil. Tendo sido
repreendido por roubar broas de mel de uma mulher, assados na forma de cartas,
um garoto atrevido se defendeu explicando que "a Justiça do supremo tribunal da Grã-Bretanha tinha recentemente
determinado que letras/cartas era propriedade comum”.
Bem,
o fato é que nenhuma causa privada tinha absorvido tanto a atenção do público.
“Um grande número de pessoas estava
presentes, e prestaram a maior atenção”, relatou, o “Edinburgh
Advertiser”, após a decisão. Embora o jornal de Donaldson, dificilmente possa
ser considerado como uma fonte neutra, não há razão para duvidar de sua
afirmação sobre a importância do caso.
Para
entender melhor tudo esse interesse, Rose
(1988) faz o seguinte questionamento: Por que houve esse interesse geral no caso Donaldson v. Becket?
De
acordo com o próprio Rose (1988),
o caso representou o clímax da luta comercial e jurídica entre os livreiros da
capital e os das províncias.
Além
disso, o “Licensing Act” (Ato da Licença), de 1694 que regulamentou a Imprensa
britânica, estava ultrapassado, pois operava principalmente como uma restrição
ao comércio. Rose (1988) argumenta que a maioria dos afetados negativamente foi
o pequeno grupo de livreiros poderosos de Londres, que estavam sob as regras
antigas dos “Stationer´s Company”
(Companhia dos Livreiros) que controlavam quase todos os antigos direitos
autorais de valor.
Outro
ponto crucial, ainda segundo Rose (1988)
foi a ameaça dos livreiros da Irlanda e Escócia (que não eram regidos pelo “Stationer´s Company”) e com a permissão
do Parlamento, aprovaram em 1709 o “Statute
of Anne” (Estatuto de Anne), a primeira regulamentação do copyright no
mundo.
Enquanto
os direitos autorais regulamentados pelas Guildas eram perpétuos, no estatuto o
termo foi limitado há 14 anos com um possível segundo mandato se o autor ainda
estivesse com vida. Para os livros já impressos o estatuto forneceu um prazo de
vinte e um anos.
Rose (1988)
cita outros casos além de Donaldson v. Becket. Os livreiros de Londres estavam insatisfeitos com o estatuto. Em
1735, após o prazo de vinte e um anos para os direitos autorais existentes, os
titulares do copyright apelaram, para buscar liminares nos casos particulares
que eles consideravam como pirataria, e mais tarde para estabelecer, o
princípio de que o direito autoral é uma lei do “common law” (direito comum) e,
portanto, a perpetuidade do direito contínua, apesar do estatuto. Seguem abaixo
outros casos além de Donaldson v. Becket:
•
Tonson
v. Collins (1760):
Este caso entrou para o Tribunal do Banco dos Reis através de Lord Mansfield, o
fundador do direito comercial Inglês. Mas, descobriu-se que eles estavam agindo
em conluio para testar a lei e por este motivo o tribunal recusou-se a julgar a
causa.
•
Millar
v. Taylor (1769):
Este foi o caso onde os livreiros de Londres garantiram o julgamento que eles
queriam. O Tribunal do Banco dos Reis, firmou o “common law” (direito comum) da
propriedade literária e o princípio de direito perpétuo do autor.
•
Donaldson
v. Becket, em 1774:
Foi o apelo de Millar v. Taylor em vigor, e a decisão dos Lordes contra a
perpetuidade constituiu uma reversão dramática da decisão anterior.
De
acordo com Rose (1988) o caso
Donaldson v. Becket teve as seguintes implicações:
•
Devido
o caso Donaldson v. Becket ser tão fundamental, toda a indústria editorial
estava envolvida.
•
Estando
diretamente relacionada com o resultado a imprensa focou atenção especial sobre
o assunto.
•
Embora
o pânico dos livreiros não fosse justificado, pois eles não foram de forma
alguma arruinados pela decisão, mas a nota de desespero que marcaram suas
declarações é provavelmente sincera o suficiente. Ora, as obras de Shakespeare,
Bacon, Milton, Bunyan, e outros, todas perenes do comércio de livros que os
livreiros estavam acostumados a tratar como se fossem latifúndios privados, de
repente foram declaradas públicas.
•
A
luta por direitos de autor também teve uma dimensão ideológica:
ü
Valores
liberais tais como "propriedade" e "liberdade“ se tornaram
cruciais.
ü
A
concepção do papel do autor na sociedade.
ü
O
patrocínio estava em declínio e os autores estavam se tornando profissionais
independentes capazes de sustentar-se através da escrita devido o aumento do
público leitor.
Millar v. Taylor e Donaldson v. Becket e a obra ”The Seasons”, de Thomson
Rose
(1988) observa que tanto Millar v. Taylor e Donaldson v. Becket foram travados
sobre o mesmo tema: The Seasons, de
Thomson.
De
acordo com Rose (1988) isso pode ter sido puramente acidental, no entanto, The Seasons, publicado pela primeira vez
em forma de coletâneas em 1730, foi uma excelente escolha para o litígio
destinada a estabelecer a lei comum do direito do autor. Por um lado, o poema
de Thomson não era considerado um tesouro nacional tais como o trabalho de
Shakespeare ou Milton. No entanto, foi um dos poemas mais frequentemente
reimpressos do século e, assim, claramente uma propriedade valiosa.
Além
disso, destaca Rose (1988), Thomson tinha uma reputação de originalidade. O que
devemos observar aqui é que o processo de criação poética de Thomson, como More
descreve, é muito semelhante ao processo da criação original de propriedade
privada como Locke havia descrito: o indivíduo remove materiais de fora do
estado da natureza e mistura seu trabalho com eles.
Segundo
explica Rose (1988) muitos dos elementos da teoria literária romântica,
especificamente a mistificação da criação poética original e o conceito do
processo criativo como orgânicos ao invés de mecânico, foram antecipados em
Conjecturas de Young sobre Composição Original.
Rose
(1988) destaca também que a forma de livro, no entanto, manteve-se a
propriedade do autor para sempre, pois, como Fichte disse, "cada indivíduo
tem seus próprios processos de pensamento, sua própria maneira de formar
conceitos e conexão com eles”. Trinta e três anos antes, argumentando em Tonson
v. Collins contra a proposição de que a essência de um livro eram as ideias que
ela continha e que portanto, não deve haver nenhuma diferença entre os direitos
autorais e lei de patentes, William Blackstone tinha chegado perto de antecipação
de Fichte, quando ele manteve que nem ideias como tal, mas "estilo e
sentimento são os fundamentos de uma composição de obra literária”.
Rose
(1988) diz que, de fato, a elaboração romântica de noções como originalidade,
forma orgânica, e da obra de arte como expressão da personalidade única do
artista eram em um sentido, a conclusão necessária da transformação jurídica e
económica que ocorreu durante a luta de direitos autorais. Por que um autor
deve ter o direito de propriedade em seu trabalho? O que significa que o
trabalho consiste? Como é uma composição literária é diferente de uma invenção
mecânica? Foi precisamente os problemas teóricos levantados na luta por
direitos de autor que a teoria romântica resolveu.
Referências Bibliográficas:
FOUCAULT, Michael. O que é um autor. In: Ditos e Escritos:
Estética – literatura e pintura, música e cinema (vol. III). Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2001. P. 264-298.
ROSE, Mark. The
Author as Proprietor: Donaldson v. Becket and the Genealogy of Modern
Authorship (1988).
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